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ATRAVESSAMENTOS


Meireles, Ana.

Atravessamentos / Ana Meireles - Brasília:

Editora do Carmo, 2018. Brasília - DF.

90 p. 14x21 cm. ISBN: 978-85-923110-0-1

I. Literatura brasileira - Crônica. 1. Crônica brasileira. I. Título.

 

A CRÔNICA-POESIA


A literatura está divida em épocas, estilos, gêneros, etc. Dentre a secção pela qual ela divide-se [ou será, dividida?] o gênero crônica é um dos que apresenta um grande número de escritores. Se voltarmos ao século XIX a nossa investigação, veremos que com o desenvolvimento da imprensa [sim, aquela criada por Gutemberg em 1440, e adaptada no século XVIII para fabricar jornais] a crônica passa a fazer parte dos jornais. A primeira aparição [publicação] do gênero foi em 1799, no Journal des Débats, publicado em París[1]. A crônica literária, que surge a partir do folhetim, na França, chega ao Brasil e adquire características próprias.

Ainda falando sobre a estrutura do gênero [juro que este não é o objetivo principal desta resenha], a crônica é um texto que sai dos jornais para expandir-se na literatura. Dentro dos tipos de crônicas podemos citar a crônica descritiva, crônica narrativa, humorística, poética, jornalística, histórica, entre outros.

O mestre da literatura brasileira, Machado de Assis, foi um dos grandes escritores que utilizaram a crônica para descrever suas impressões sobre sua época – lembrem-se de que a literatura é a voz de uma época. Nos dias atuais, a crônica apresenta-nos grandes nomes como Luís Fernando Veríssimo, Rubem Braga, Fernando Sabino, entre outro que fazem uso do gênero para produzir suas obras. O viés literário desses escritores [cronistas] substancialmente diferencia-se dentro da categoria, todavia, é nessa ordem literárias que suas vozes se fazem conhecidas.

Afirmo sempre nas conversas literárias que a literatura é uma das ferramentas da história e vice versa; levanto tal informação por observar a crônica dentro do múnus literário do narrador.

No livro “Atravessamentos”, da escritora paraense Ana Meireles, o gênero crônica apresenta-se facetado, em cada aresta um viés de uma narrativa. Vemos a cronista de si mesma [aquela que escreve sobre si] e a cronista à distância [aquela que relata os fatos]. As crônicas pinceladas no livro apresentam, antes de tudo, uma qualidade cuidadosa com a linguagem, demonstrando a nós leitores [e meros mortais] que para descrever é preciso ter, na observação, a sensibilidade do verbo. Essa sensibilidade verbal é encontrada ao longo da obra. No texto-título do livro, Atravessamentos, Ana Meireles diz:

“As pressões dos costumes a que estamos alinhavados pelos atravessamentos da vida em sociedade, impedem, muitas vezes, os grandes voos, pelo menos para alguns. Voar alto sem se deixar deter em possíveis depreciações é esquecer, mesmo que momentaneamente, as garras que prendem (alguns) e amordaçam a boca, os olhos e o coração: o preconceito”.


Lembram-se dos parágrafos acima, sobre os tipos de crônicas e como elas podem ser vistas como um tipo de relatório de uma época? Pois bem, Atravessamento cumpre bem o seu papel, desempenha a função de uma escritora que, através do exercício de saber observar e narrar, mostra ao mundo o seu eu e sua análise literária da época em que vive.

Figuram no cenário nacional, fora os autores que já foram aqui citados, cronistas como Fabricio Carpinejar, que através de suas experiências narra uma forma de enxergar um [seu] relacionamento amoroso, e a escritora Martha Medeiros, que traz na sua escrita o posicionamento [e literatura é posicionamento] diante de situações cotidianas, estes são bons exemplos de como utilizar-se desse gênero literário é uma oportunidade para comunicar, de forma clara e direta, os dias que nos cercam, ou, o que fazemos deles.

No texto “O contorno de um sorriso fatigado” a cronista, através da simplicidade das palavras [e não encarem aqui o simples como algo medíocre, muito pelo contrário, encarem como uma qualidade técnica trabalhada na beleza da palavra] consegue despertar a emoção por ela vivida no momento em que recorda um acontecimento.

Para identificarmos um bom livro [autor] é necessário que o mesmo tenha a capacidade de nos prender em suas páginas, do início ao fim. A consistência textual deve ser capaz [como numa maratona] de nos permitir atravessar os parágrafos, capítulos e, por fim, a última página da obra. E este é o caso do livro de Ana Meireles; de crônica em crônica, nós leitores [devotos de um bom livro], atravessamos de mãos dadas a literariedade do primor que é o livro Atravessamentos. Afirmo, para fim [?] de conversa: para encontrar uma excelente obra literária, não é necessário atravessarmos o país, tampouco inventarmos a máquina do tempo, basta que olhemos para o hoje que veremos Ana Meireles, com seus Atravessamentos, nos mostrando que a boa literatura está nas ruas, nos acontecimentos das horas, e, principalmente, na capacidade do homem de sensibilizar-se com os dias que lhe afligem.




[1] Journal des débats et des décrets de 21 de janeiro de 1800». Bibliothèque nationale de France (em francês)

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