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Os Escravos


O escritor Silvio dos Anjos Silva é natural da cidade Jor-dânia, que fica localizada no vale do Jequitinhonha, no estado de Minas Gerais; nasceu no dia 08 de novembro de 1950, às margens do rio Ribeirão, na divisa com o estado da Bahia. O autor é filho de Carlos dos Anjos Silva e Cacilda Alves dos Anjos. Logo depois do seu nascimento, seus pais mudaram para uma pequena propriedade adquirida às margens do rio Pedro Perdido. Quando garoto, morava na roça e estudava na cidade, este trajeto era feito a pé. Em 1964, seus pais mudaram para Vila de Itupeva no município de Medeiros Neto, na Bahia. É vice-presidente da Academia de Letras de Rondon do Pará (ALERPRE).

 

Começo este texto afirmando aos leitores que o mesmo não possui pilares, tampouco pés, na crítica acadêmica, o que aqui será lido poderá ser classificado como uma resenha imanente – se é que os possíveis críticos me permitirão o uso da palavra. Dito isto, a obra que pretendo clarividenciar (sim, como escritor peço licença à gramática para transformar o substantivo feminino em verbo) é um livro curto, de poucas palavras e páginas, escrito e comentado na cidade de Nova Ipixuna, interior do Pará, a obra aqui comentada é “Os Escravos”, do escritor mineiro-amazônico Silvio dos Anjos. O nome de Svetlana Alexievitch, escritora bielorrussa vencedora do Nobel 2015, me veio à cabeça após a leitura de “Os Escravos”, ora não seria para menos. O livro de Silvio dos Anjos apresenta, em dados momentos, semelhanças com o “Vozes de Chernobil”, livro da escritora citada acima, por apresentar focos narrativos a partir de personagens narradores, e, também, destacar um momento que mudou a história de uma cidade e de um país. “Os Escravos” traz uma história sensível de dois homens, Zé Buduia e Gida Brocador, escravizados numa fazenda do interior amazônico; até aqui parece não haver ineditismo relacionado ao tema, pois há anos existem escritores amazônicos debruçados em escrever sobre os homens da região. O que diferencia “Os Escravos” de demais livros que já li sobre o tema é a maturidade com quem o autor apresenta o romance, podemos começar com a narração intercalada, onde a narração se insere de maneira retrospectiva ou prospectiva; outro artifício utilizado pelo autor é a condensação dos relatos de acontecimentos, que ora apresenta a diegesis[1], e ora a mimeses[2], no último caso, o da mimeses, é interessante ressaltar o distanciamento do autor quando abre espaço para a fala das personagens que, até então não foram citadas, são reais, e por vezes “confunde” o leitor, por não conseguirmos identificar quem está narrando. Entra aqui a comparação com Svetlana – caberia a outros autores também – pelo fato de as personagens construírem o livro. O romancista, que ora apresenta-se como narrador, ora como ouvinte, evidencia uma estrutura narratológica bem elaborada. Claro, isto seria um jogo de comadres, soaria ultra tendencioso se eu apenas apontasse os pontos positivos do texto e deixasse de fora alguns deslizes do mesmo. Por apresentar um conteúdo importante, o autor, da opinião deste que vos escreve, poderia aprofundar, ir além da superfície, o drama narrado e vivido pelas personagens, usando sua condição de romancista para explorar a complexidade das questões relativas entre literatura e sociedade, ou seja, construindo a partir dos métodos do romance a análise das relações e da exploração do homem pelo homem, do homem do campo (aqui se aplica homem do interior) pelo capital dos poderosos, etc. Trocando em miúdos, seria correto citar o que Antônio Candido em seu ensaio “Crítica e sociologia” de Literatura e sociedade salienta a perspectiva de “interiorização” do elemento social como elemento estruturador da obra. Conforme a crítica dialética, o elemento externo, social, interessa como parte da estrutura literária, não como causa ou significado. E aqui, como leitor, senti a falta dessa “parte”. Todavia, talvez eu tenha atribuído ao texto algum exagero sentimental, pura e simplesmente pelo prazer do texto; Roland Barthes demonstra em “O prazer do texto” que: Se aceito julgar um texto segundo o prazer, não posso ser levado a dizer: este é bom, aquele é mau. Não há quadro de honra, não há crítica, pois esta implica sempre um objetivo tático, um uso social e muitas vezes uma cobertura imaginária[3]. Nesta ocasião, para não parecer uma resenha fadada à imitação frustrada de uma crítica que quer fazer-se acadêmica (longe disso), retomo os comentários sobre os acertos de Silvio dos Anjos. A brevíssima análise narratológica do texto apresenta-nos os conflitos vividos pelos personagens, os personagens com um papel essencial na organização da história, são eles que determinam as ações, vivenciam-na e dão sentido a elas. De certa maneira, toda história é história das personagens[4]. “Os Escravos” traz o que particularmente espero da literatura amazônica: o homem. Não aquele homem inventado a ponto de não se conectar conosco, tampouco o personagem forjado na mata, livre de preocupação, o homem apresentado por Silvio dos Anjos é o homem comum, como a maioria de nós, de carne e osso, sangue e suor. De mãos calejadas, de situação impotente, eis o homem que vimos fora das selfies, dos outdoors, e das agências de turismo. Silvio mostra a imagem de uma Amazônia que governos não alcançam, revela o espectro do sapien ignorado pelas metrópoles, mas tão presente na realidade quanto a ilusão de não existirem. Os Homens de Silvio, em séculos supostamente modernos, sofrem com o processo de escravidão, porém sob a égide do romance denunciam a mazela moderna, mas essa não é a escravidão das cidades onde advogadas humanistas lutam pelos miseráveis, ou onde os órgãos competentes pelo resguardo dos direitos humanos esforçam-se para garantir a lei, essa é uma luta solitária, subumana do homem do interior amazônico, que por vezes sonha, e, por vezes, não acorda. Zé Buduia e Gida Brocador tem panos para as mangas e vigor para se apresentar em qualquer livraria, impressionar qualquer leitor, dos mais exigentes aos mais ingênuos – se é que existe os ingênuos. Por fim, encerro este breve texto com a ideia de que o romancista deverá extrair da realidade a ficção que lhe permitirá a crítica ao seu tempo, pois somos homens lotados numa realidade que não se cabe, em sua totalidade, numa selfie selvagem, mas cabe dentro de um livro.



[1] Diegesis: o narrador falar por si mesmo, parecendo mais distante.

[2] Mimesis: o narrador dá voz aos personagens, dando ao leitor impressão de proximidade.

[3] Barthes, Roland. 1915-1980. O prazer do texto / Roland Barthes; [tradução J. Guinsburg]. São Paulo: Perspectiva, 2015. (Elos ; 2/dirigida por J. Guinsburg)

[4] Reuter, Yves. Introdução à análise do romance / Yves Reuter; tradução Angela Bergamini ... [et al.]. – 2ª ed. – São Paulo : Martins Fontes, 2004. – (Leitura e Crítica)

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