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Deus com a língua nos dentes

 

Deus com a língua nos dentes. Editora: Paka-Tatu, 2016. Belém-Pa.


Este livro foi gentilmente cedido pela Editora Paka-Tatu, deixo aqui o meu muito obrigado!

 

“Está tudo de mal a pior

De Cristo a Dior”

Raimundo Vieira é escritor, poeta... Um cara que aprecia a curiosidade de quem lhe deseja saber sua biografia. Escreveu, de acordo com as palavras do autor, seu primeiro livro, um paradidático pela Editora Bagaço, Recife-PE, “Um punk eficiente e uma sociedade deficiente”. Seu segundo livro, Deus com a língua nos dentes, é, nas expressões do autor, fruto de uma nova deficiência: O preconceito contra o autismo.


Uma boca vermelha, impressa numa capa tríplex 250 gr, na cor amarela, com letras que aparentam ter sido, em algum momento, confeccionadas por um bico esferográfico – seja ele um bic preto, ou pilot azul-, tanto faz, o que vale mesmo é o conteúdo interno, impresso em papel Off Set 75gr, numa fonte que por alguns instantes hesitei ser Arial ou Times New Roman.


Sobre o livro de Raimundo Vieira, pode-se usar um poema do próprio autor como informação de “orelha”: Este livro / Uma puta de Amsterdã / Exposto na vitrine / Vende o prazer momentâneo/ Mas a dor se esconde (...). O que nos transmite os poemas deste livro? A poesia é, realmente, um prazer momentâneo, e a dor um pêndulo desdenhoso que temos como cônjuge inseparável? A resposta é relativa. Palavras poemadas podem ser como fragrâncias no ar, a uns encantam, e a outros podem causar “alergia”. Os poemas de Raimundo Vieira são espirros alérgicos – saibamos interpretar-, poemas alérgicos aos “linguistas”, algumas vezes cita-criticados neste livro: “Linguistas/ Pensam ser alquimistas/ Ainda bem não serem ritmistas/ Haveria disritmia/ Além da minha azia/ Uma náusea tão purista/ Comprometedora ao artista/ Em malabarismo Sociodialetal...”, alérgico ao "verso hidropônico" e ao "poema transgênico". Poema-queixa, Deus com a língua nos dentes e Raimundo Vieira com a palavra no papel. Palavras que não escondem o ruído da crítica: “Está tudo de mal a pior/ de Cristo a Dior”, “Este rio não é minha rua/ Jamais será/ Talvez esta vala/ Suja e estagnada/ De charme medieval/ Delimite melhor a vida/ Universal”. Contudo, não é só de ruído que se faz um poema, poemas também são feitos de silêncio e criatividade – ao que alguns preferem chamar: inspiração.


Surge a pergunta: existe poesia no livro de Raimundo Vieira? Um poeta “punk”, de língua ácida, que salienta em seus poemas os vícios da contemporaneidade, da sociedade (im)perfeita, da palavra modelada aos variados gostos, da poética montada e da arte pré-fabricada, é capaz de sensibilizar o leitor através da escrita? Poema é o que se escreve o que se lê. Poesia é o que fica o que se experimenta através do gozo que as palavras propiciam, ou, da angústia que o poema desfantasia. “Criativas as ondas e as nuvens/ Nunca se repetem/ Eu me repito. E regurgito/ Ondas e nuvens/ Fugere Urbem.


A poesia, a literatura e as letras paraenses ganham um habilidoso fabricante de versos, um observador literário, um escritor que parece não gostar de rótulos, todavia sabe rotular o que escreve. Esse foi o primeiro contato com o autor que “prefiro o taxista ao linguista”. Aguardo sem ânsia, mas com tranquilidade o próximo contato com a obra de Raimundo Vieira, pois é certo que entre “falsos profetas/ falsos poetas” haverá um poema convidando-nos a “amanhã-ser-se”.

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